Por causa do coronavírus, as universidades em todo o mundo estão fechadas e as aulas, agora, são oferecidas por videoconferência. Isso não é excessivamente dramático, pois esse arranjo temporário eclipsará após a contenção dos casos e as aulas serão retomadas. No entanto, os impactos no meio universitário e no tecido urbano exigirão reformas imediatas no ensino superior, que moldarão o programa de estudos em arquitetura dos próximos anos.
Muitas universidades ao redor do mundo estão enfrentando um evento único no século, e as mais jovens um evento único na vida. O futuro delas será definido pela flexibilidade de fazer negócios. Embora os campi universitários tenham sido muitas vezes aclamados como o exemplo do planejamento urbano, em muitos casos, eles não são sistemas resilientes ou adaptáveis. Isso ocorre porque não houve grandes interrupções nesse setor nos últimos 50 ou 100 anos. E fluxos de investimentos contínuos sustentaram essa rigidez no planejamento e operação, que agora é sinônimo de reputação. No entanto, essas universidades "tradicionais" podem ser as mais mal equipadas em tempos de crise atual; dando lugar para que universidades mais novas ganhem reputação e parte nos negócios. Este último, aliás, pode tornar essas universidades mais flexíveis e melhor equipadas oferecendo soluções mais baratas na forma de educação on-line.
O caso da educação on-line é complicado para o ensino em arquitetura, pois a maioria dos cursos exige algum tipo de experiência em obra - computando grande parte dos requisitos do curso, o que está dificultando o progresso na busca acadêmica. Além disso, nem todas as faculdades, departamentos e funcionários estão equipados para a mudança ao método on-line e a maioria nunca lidou com isso. Antes, as universidades alavancavam suas infraestruturas para criar apoio administrativo, estacionamentos, residências estudantis, vários prédios e outros serviços - uma grande quantidade de infraestrutura física que requer uma quantidade incrível de fluxo de caixa para se sustentar. Em troca, isso contribui para um impressionante mercado imobiliário que constrói a reputação na universidade, o que atrai os alunos a investir em ofertas específicas de produtos (cursos) em troca de certos estilos de vida. A educação on-line, oferecida principalmente pelas universidades mais novas (e menores), operou de maneira diferente nos últimos anos, permitindo uma maior entrada de estudantes em campi menores, tornando as ofertas de produtos mais baratas.
Embora as necessidades transitórias para a educação on-line pareçam claras, os requisitos para validação dos cursos de arquitetura por órgãos profissionais podem ser complicados, pois exigem horas específicas de consultas e ensinamentos presenciais, diferindo de outros cursos. Sobre isso, a Universidade Curtin, da Austrália, mostrou liderança ao oferecer o primeiro curso on-line credenciado de Mestrado em Arquitetura do mundo. Embora esse programa esteja certamente protegido da pandemia, surge a questão de como uma universidade de 54 anos venceu universidades mais antigas (e mais estabelecidas), tendo mais recursos? A resistência à mudança é observada na própria administração das universidades?
Essa mudança para a educação on-line agora será imposta a todas as universidades, enquanto as frotas aéreas estiverem ancoradas em todo o mundo, sem um objetivo claro. Alguns alunos estão perdendo o semestre e optando por se inscrever em universidades alternativas locais ou on-line. A infraestrutura pesada e cara em que as universidades investiram tanto dinheiro não serve mais como recurso. Isso equivale a uma severa perda econômica para universidades que dependem principalmente de estudantes estrangeiros. Como resultado, várias universidades ao redor do mundo estão aceitando estudantes com datas de entrada adiadas ou reestruturando as ofertas de cursos para adiar os requisitos de matrícula. Essa transição também está permitindo uma maior disseminação de conhecimento em economias de baixa renda, longe das "marcas" universitárias estabelecidas com "tijolo e argamassa". A África, por exemplo, hospeda apenas cerca de 3% da população global de arquitetos, enquanto hospeda 16% da população mundial. Existe uma incompatibilidade e, embora as métricas econômicas possam ser um bom indicador da educação universitária, o acesso desempenha outro papel fundamental. Uma parte importante disso é que a educação no mundo ocidental pode não ser totalmente aplicável ao mundo em desenvolvimento. Por exemplo, os edifícios de vidro projetados para a regulação da temperatura no Canadá podem não ser adequados em áreas atingidas pela pobreza no Laos, na Tailândia ou no delta do rio Mekong. Nesse sentido, um acesso mais amplo à educação ocidental e, principalmente, à sua readequação aos contextos locais, pode acentuar não apenas a lucratividade das universidades, mas também o desenvolvimento mundial.
No entanto, embora se possa buscar parcerias para permitir programas contextuais, pensar nos requisitos práticos dos cursos se mostra, de imediato, problemático se o bloqueio relacionado ao coronavírus se estender. Essa é uma preocupação que se expande além do campo educacional.
A inovação e a reestruturação serão garantidas não apenas dadas pelas universidades, mas também pelos órgãos de credibilização, onde a flexibilidade será fundamental nesses tempos difíceis. O mesmo ocorre com os órgãos de registro dos profissionais em arquitetura que exigem horas de experiência em obra, em um momento no qual os canteiros de obras em todo o mundo estão fechados e em que vários projetos logo enfrentarão fechamentos forçados devido à preocupações econômicas. O que acontecerá, então, aos arquitetos juniores que passaram 2 anos em experiências práticas para ver seu projeto negado devido à falência vinculada ao coronavírus? Um problema fora do escopo e do poder deles... Haverá flexibilidade nos requisitos de registro profissional? Esse ponto é particularmente complicado, especialmente para administradores desse gênero que tendem a permanecer nos requisitos tradicionais (e muitas vezes supérfluos) de regulamentação.
Outro aspecto é que a demanda por algumas disciplinas aumentará e outras diminuirá. As universidades terão que ser flexíveis e adaptáveis, incentivando uma maior mobilidade de seus recursos entre as faculdades. Tomemos, por exemplo, o interesse futuro de cursos de arquitetura e planejamento sobre saúde e habitabilidade urbana. As universidades que se adaptarem mais cedo colherão mais recompensas. Portanto, podemos ver as próximas mudanças nas ofertas do plano de estudos incluir "saúde urbana", um assunto inexistente durante nossos tempos (os autores) como estudantes de arquitetura. O surgimento de graduações conjuntas pode surgir em breve. Uma perspectiva que outras disciplinas haviam adotado já há algum tempo, mas que de alguma forma raramente era vista na arquitetura.
Também é esperado que o financiamento da pesquisa seja redirecionado para encontrar soluções imediatas, de curto, médio e longo prazo para lidar com a pandemia, em uma variedade de disciplinas. Em um momento em que as principais cidades estão trancadas, levando a impactos sociais e econômicos diretos, a arquitetura e o planejamento estão diretamente envolvidos. A necessidade de um pensamento multidisciplinar deve ser acentuada à medida que os pesquisadores navegam, sem problemas, entre diferentes disciplinas, ainda que conectadas. Isso pode não apenas abordar a questão dos investimentos, mas também permitir soluções mais coesas. O Live+Smart Research Laboratory da Universidade Deakin, com acadêmicos como Phillip Roos, David Jones e outros, aborda essa ideia de pesquisa e colaboração transdisciplinar inovadora de maneira inteligente. À medida que a demanda por cidades mais inteligentes que respondam a pandemia aumentar, o mesmo tenderá a ocorrer com muitas outras soluções de planejamento e arquitetura. Posicionar futuros acadêmicos e estudantes no sentido de responder a essa necessidade será fundamental para elaborar futuros solucionadores de problemas, assim como para sustentar a resiliência econômica das universidades.
Por fim, a arquitetura é frequentemente aclamada como uma disciplina para a solução de problemas, mas sua educação, de alguma forma, girou principalmente em torno da busca pela estética. Continuam a surgir críticas crescentes à desconexão das soluções de arquitetura e design - cultural, em escala e forma -, a partir de seu contexto imediato; onde, principalmente, a crítica ao modernismo segue. Por meio da obstinada busca pela abstração, a disciplina parece distanciar-se de encontrar soluções reais e práticas. Além disso, em um momento em que os desafios do mundo continuam se transformando e as incertezas continuam surgindo devido à constante mudança nas variáveis, a arquitetura precisa acompanhá-las. A arquitetura precisa adotar uma visão eclética do mundo, reagrupar disciplinas e, talvez, renomeá-la para a arte de solucionador problemas perversos.
O coronavírus provocou uma interrupção, que também oferece uma oportunidade de abordar outras mudanças tão necessárias, tanto na educação quanto na sociedade. Para que os futuros arquitetos estejam preparados para enfrentá-las, é necessária uma revisão do plano de ensino em arquitetura, onde é dada igual ênfase ao ateliê, assim como em outras matérias. Junto com isso, também pode ser o momento de expandir o currículo da arquitetura, mesclar disciplinas e realmente trabalhar para a construção do futuro. Um futuro tão bonito quanto resiliente, sustentável, inclusivo e seguro.
Este artigo faz parte de uma colaboração de um mês entre ArchDaily e Zaheer Allam, Gaetan Siew e Felix Fokoua para explorar o futuro da arquitetura e das cidades após o coronavírus (COVID-19).
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